terça-feira, 10 de maio de 2011

E o mundo permanece em silêncio

Este extenso artigo foi publicado na edição de sexta-feira passada (22/09/2006) do diário israelita Ma’ariv. O seu autor, Ben Dror Yemini, um comentador de centro-esquerda, é editor das páginas de opinião do jornal. O artigo original em hebraico pode ser lido aqui: והעולם שותק. Optei por traduzir o texto e publicá-lo aqui porque Dror Yemini levanta várias questões pertinentes e apresenta factos que merecem uma reflexão aprofundada. Para ler atentamente.


Foto de Enric Marti, Associated Press. 2 de Fevereiro de 2004

um artigo de Ben Dror Yemini

Facto número 1: Desde o estabelecimento do Estado de Israel, um genocídio cruel é perpetrado contra muçulmanos e árabes. Facto número 2: O conflito no Médio Oriente entre israelitas e árabes no seu todo, e contra os palestinianos em particular, é considerado o conflito central do mundo actual. Facto número 3: Segundo sondagens levadas a cabo na União Europeia, Israel é considerada “a maior ameaça à paz mundial”. Na Holanda, por exemplo, 74% da população defende este ponto de vista. Não o Irão. Não a Coreia do Norte. Israel.
A ligação entre estes factos criou a maior fraude dos nossos tempos: Israel é encarado como o país responsável por todas as calamidades, desgraças e sofrimentos. Representa um perigo à paz mundial, e não apenas para o mundo árabe ou islâmico.

Como funciona a fraude

O dedo é habilmente apontado. É difícil culpabilizar Israel pelo genocídio no Sudão ou pela guerra civil na Argélia. Como é que isto é feito?


Dezenas de publicações, artigos, livros, jornais e websites dedicam-se a um propósito único: transformar Israel num Estado que incessantemente comete crimes de guerra. Em Jacarta e Khartoum queimam-se bandeiras israelitas e em Londres, Oslo e Zurique publicam-se artigos carregados de ódio apoiando a destruição de Israel. Qualquer pesquisa nos motores de busca da Internet com as palavras “genocídio” contra “muçulmanos”, “árabes” ou “palestinianos” – com “sionista” ou “Israel” como contexto – dará resultados incontáveis. Mesmo depois de filtrado o lixo, restam milhões de publicações escritas com a maior das seriedades.
Esta abundância dá resultado. Funciona como uma lavagem ao cérebro. Há cinco anos testemunhámos um espectáculo anti-israelita na Convenção de Durban [ver “Terrorism and Racism: The Aftermath of Durban,” by Anne F. Bayefsky]. Há dois anos sentimo-nos chocados quando um membro da nossa comunidade académica acusou Israel de “genocídio simbólico” contra o povo palestiniano. Mas isso não foi nada. Há milhares de publicações que acusam Israel de praticar um genocídio nada simbólico.
Sob a capa académica ou jornalística, Israel é hoje comparada à infame Alemanha de outros tempos. Em conclusão, há aqueles que apelam ao fim do “projecto sionista”. Posto de forma mais simples: porque Israel é um país que comete tantos crimes de guerra e pratica limpeza étnica e genocídio, não tem direito a existir. Esta, por exemplo, é a essência de um artigo do escritor norueguês Jostein Gaarder que, entre outras coisas, escreveu: “chamemos os assassinos de crianças pelo seu próprio nome” [ver Heretics’ almanac: A literary critique of Jostein Gaarder’s infamous piece, por Leif Knutsen]. A conclusão é que Israel não tem direito a existir.
Por entre tudo isto, a tragédia é que massacres acontecem em países árabes e islâmicos. Um genocídio protegido pelo silêncio do mundo. Um genocídio perpetrado por uma fraude que provavelmente não terá paralelo na história da humanidade. Um genocídio que não tem qualquer ligação a Israel, a sionistas ou judeus. Um genocídio maioritariamente contra árabes e muçulmanos, perpetrado maioritariamente por árabes e muçulmanos.
Esta não é uma questão de opinião ou ponto de vista. Isto é o resultado de uma avaliação factual, tão precisa quanto possível, do número de vítimas de várias guerras e conflitos que tiveram lugar desde o estabelecimento do Estado de Israel até hoje. É um morticínio de larga escala. Um massacre. É o extermínio integral de aldeias, cidades e de populações inteiras. E o mundo permanece em silêncio. Os muçulmanos estão, de facto, ao abandono. São chacinados e o mundo cala-se. E se abre a boca, não se queixa dos morticínios. Não se queixa destes crimes contra a humanidade. Queixa-se de Israel.
A grande fraude, aquela que cobre os factos reais, continua a crescer por uma razão simples: Os media e os meios académicos no Ocidente participam nela. Em inúmeras publicações Israel é retractado como um Estado que pratica “crimes de guerra”, “limpeza étnica” e “matanças sistemáticas”. Por vezes é por ser moda, outras por engano, outras vezes ainda é o resultado de hipocrisia e dualidade de critérios. Por vezes é o novo e o velho antisemitismo, da esquerda e da direita, encoberto ou descarado.

O conflito Israelo-Árabe

O estabelecimento sionista deste país [Israel], que começou nos finais do século XIX, criou, de facto, um conflito entre judeus e árabes. O número de mortos resultantes de confrontos vários até ao estabelecimento do Estado de Israel não foi mais de uns poucos milhares, tanto judeus como árabes. A maior parte dos árabes mortos durante esses anos foram-no em lutas armadas entre os próprios árabes; como, por exemplo, durante a Grande Insurreição Árabe de 1936-1939. Era um sinal do que estava para vir. Muitos outros foram mortos em resultado da mão pesada do Mandato Britânico. Israel nunca fez nada comparável.
A guerra de Independência de Israel [ver 1948 Arab-Israeli War - Wikipedia], também conhecida com a Guerra de 48, fez entre 5.000 a 15.000 mortos entre palestinianos e cidadãos de países árabes. Nesta guerra, tal como em qualquer outra guerra, houve atrocidades. Os agressores declararam o seu objectivo de forma clara, e caso tivessem vencido o mundo teria assistido ao extermínio em massa de judeus. Do lado de Israel houve também actos de barbárie, mas estes situaram-se sempre na margem das margens. Menos, muito menos do que em qualquer outra guerra dos tempos modernos. Muito menos do que continua a ser perpetrado diariamente, por muçulmanos maioritariamente contra outros muçulmanos, no Iraque e no Sudão.
O evento seguinte foi a Guerra do Sinal de 1956 [ver Suez Crisis - Wikipedia]. Cerca de 1.650 egípcios foram mortos por tropas de Israel, França e Reino Unido.
Depois veio a Guerra dos Seis Dias (1967) [ver Six-Day War]. As mais elevadas estimativas apontam para 21 mil árabes mortos em três frentes – Egipto, Síria e Jordânia.
A Guerra do Yom Kippur (1973) [ver Yom Kippur War - Wikipedia] resultou em 8.500 árabes mortos, desta vez em duas frentes – Egipto e Síria.
Houve também guerras mais “pequenas”: a primeira Guerra do Líbano, que inicialmente fora apenas contra a OLP e não contra o Líbano. Esta foi uma guerra dentro de outra guerra. Estes foram os anos da sangrenta guerra civil libanesa, uma guerra que discutiremos mais à frente. Tal como a segunda guerra do Líbano, na qual perderam a vida cerca de um milhar de libaneses.
Milhares de palestinianos foram mortos durante a ocupação israelita dos territórios, que foi iniciada no final da Guerra dos Seis Dias. A maioria das baixas registaram-se durante as duas Intifadas, aquela que começou em 1987 que resultou em 1.800 palestinianos mortos, e a iniciada em 2000, com 3.700 mortos palestinianos. Entre estes conflitos houve mais acções militares que causaram fatalidades entre a população árabe. Se exagerarmos podemos dizer que mais umas poucas centenas de pessoas foram mortas. Não centenas de milhar. Não milhões.
A contagem total dá cerca de 60 mil árabes mortos no quadro do conflito Israelo-Árabe. Entre eles, alguns milhares de palestinianos, apesar de ser por causa deles, e só por eles, que Israel é o alvo da ira mundial. Todas as mortes são absolutamente lamentáveis. É perfeitamente aceitável e perfeitamente normal criticar Israel. Mas a censura obsessiva enfatiza um facto ainda mais espantoso: o silêncio do mundo, ou pelo menos o seu silêncio relativo, face ao extermínio sistemático de milhões de outros perpetrado por regimes árabes e muçulmanos.

O preço do sangue dos muçulmanos

Daqui para a frente temos de colocar outra questão: Quantos árabes e muçulmanos foram mortos durante os mesmos anos por outros países, pela França e pela Rússia, por exemplo, e quantos árabes, muçulmanos e outros foram mortos durante esses mesmos anos por árabes e muçulmanos? A informação aqui coligida é baseada em várias fontes, de institutos e instituições académicas a organizações internacionais (como a Amnistia Internacional e outras dedicadas à salvaguarda dos direitos humanos), das Nações Unidas e de organizações governamentais.
Em alguns casos várias organizações apresentam números diferentes e contraditórios. As diferenças por vezes chegam às centenas de milhar e mesmo milhões. Provavelmente nunca saberemos os números exactos. Mas mesmos os mais baixos números aceites e estabelecidos, que são a base dos parágrafos que se seguem, apresentam um quadro simultaneamente chocante e assustador.

Argélia: Poucos anos depois do estabelecimento do Estado de Israel, deflagrou outra guerra de independência. Desta vez foi a Argélia contra a França, entre os anos de 1954 e 1962. O número de vítimas do lado muçulmano é ainda tema de uma acesa controvérsia. Segundo as fontes oficiais argelinas é superior a um milhão. Há investigadores no Ocidente que aceitam este número. Fontes francesas afirmaram no passado que morreram apenas 250 mil muçulmanos, com baixas adicionais de mais 100 mil entre os muçulmanos que colaboravam com os franceses. Mas estas estimativas são consideradas tendenciosas e baixas. Hoje em dia poucos questionam que os franceses mataram perto de 600 mil muçulmanos. E estes são os mesmos franceses que não cessam de pregar contra Israel; Israel que durante toda a história do conflito com os árabes nem chegou a um décimo desse número e, mesmo assim, apenas contando com as estimativas mais severas.
O massacre na Argélia continua. A Frente Islâmica de Salvação (FIS) venceu as eleições de 1991. Os resultados eleitorais foram cancelados pelo exército. Desde então o país tem vivido uma sangrenta guerra civil, entre o governo central, apoiado pelas forças armadas, e movimentos islâmicos. Segundo várias estimativas, a guerra civil argelina fez mais de 100 mil vítimas mortais. A maioria das quais têm sido civis inocentes. Grande parte das mortes têm ocorrido em massacres horrendos de aldeia inteiras, incluindo mulheres, crianças e velhos.
Sumário: 500.000 a um milhão de mortos durante a guerra de independência; 100.000 na guerra civil desde 1992.

Sudão: Um país destroçado por campanhas de destruição, quase todas entre os árabes muçulmanos do norte, que controlam o país, e o sul, onde a população é negra. Este país teve duas guerras civis, e nos últimos anos tem-se assistido a um massacre continuado, com o patrocínio do governo, na província de Darfur. A primeira guerra civil estendeu-se de 1955 a 1972. Estimativas moderadas apontam para 500.000 vítimas mortais. Em 1983 começou a chamada segunda guerra civil. Não foi bem uma guerra civil, mas sim o massacre sistemático definido como genocídio. Os objectivos eram a islamização, a arabização e a deportação em massa que ocasionalmente se tornou massacre, também pela necessidade de controlar enormes campos de petróleo. Estamos a falar de quase dois milhões de mortos.
A divisão entre vítimas muçulmanas e não-muçulmanas não é clara. A região de Noba, povoada maioritariamente por muçulmanos negros, foi um dos principais palcos dos horrores. Os negros, mesmo que sejam muçulmanos, não têm a vida nada facilitada. Desde a ascensão ao poder dos radicais islâmicos, sob a liderança do Dr. Hassan Thorabi, a situação tem piorado. Esta é provavelmente a pior serie de crimes contra a humanidade desde a Segunda Guerra Mundial – limpeza étnica, deportações, massacres em massa, escravatura, violação sistemática de mulheres, aplicação forçada das leis islâmicas, crianças retiradas aos seus pais. Milhões de sudaneses tornaram-se refugiados. Tanto quanto saiba, não há milhões de publicações a exigir o “direito de retorno” dos sudaneses e não há nenhuma petição de intelectuais a negar o direito do Sudão existir.
Nos últimos anos começou-se a falar de Darfur. Muçulmanos árabes têm massacrado muçulmanos e animistas. Os números são pouco claros. Estimativas moderadas falam em 200 mil vítimas mortais do conflito, outras apontam para 600 mil. Ninguém sabe ao certo. E os massacres prosseguem.
Sumário: entre 2.600.00 a 3.000.000 de mortos.

Afeganistão: Este país é uma teia de massacres – domésticos e externos. A invasão soviética, que começou a 24 de Dezembro de 1979 e terminou a 2 de Fevereiro de 1989, deixou pelo caminho cerca de um milhão de mortos. Outras estimativas falam em milhão e meio de civis mortos, mais 90 mil soldados.
Depois da retirada das forças soviéticas, o Afeganistão enfrentou uma série de guerras civis entre apoiantes soviéticos, os mojahidin e os taliban. Cada um dos grupos defendia e praticava uma doutrina de extermínio do adversário. A soma das fatalidades da guerra civil, até à invasão das forças da coligação internacional lideradas pelos Estados Unidos em 2001, é de cerca de um milhão.
Há quem lamente, e com razão, a carnificina que teve lugar em resultado da ofensiva para derrubar o regime taliban e como parte da luta armada contra a al-Qaeda. Bem, a invasão do Afeganistão provocou um número relativamente limitado de vítimas, menos de 10 mil. Se esta não tivesse ocorrido assistiríamos à continuação do auto-imposto genocídio, à razão de 100 mil mortos por ano.
Sumário: De 1.000.000 a 1.500.000 mortos durante a invasão soviética; cerca 1.000.000 mortos na guerra civil.

Somália: Desde 1977 que este Estado muçulmano da África Oriental tem permanecido submerso numa interminável guerra civil. O número de vítimas é estimado em 550 mil. São muçulmanos a matar outros muçulmanos. As Nações Unidas tentaram intervir com missões de manutenção de paz que redundaram em fracasso, tal como fracassaram tentativas posteriores das forças americanas.
A maioria das vítimas não morre em campos de batalha, mas em resultado de privação deliberada de alimentos, massacres de civis, bombardeamentos intencionais de populações civis (como os bombardeamentos de Somaliland, que provocaram mais de 50 mil mortos).
Sumário: 400.000 a 550.000 mortos.

Bangladesh: Este país aspirou a tornar-se independente do Paquistão. O Paquistão reagiu com uma invasão militar que provocou uma destruição em massa. Não foi uma guerra, foi um massacre. Entre um a dois milhões de pessoas foram sistematicamente liquidadas em 1971. Alguns investigadores definem os eventos desse ano no Bangladesh como um dos três grandes genocídios da história (depois do Holocausto e do Ruanda).
Uma comissão de inquérito nomeada pelo governo do Bangladesh contou 1.247.000 fatalidades como resultado do massacre sistemático de civis pelo exército paquistanês. Há igualmente inúmeros relatos de “esquadrões da morte”, onde soldados muçulmanos eram enviados para executar assassínios em massa de agricultores muçulmanos.
O exército paquistanês cessou as hostilidades apenas depois da intervenção da Índia, que sofrera um influxo de milhões de refugiados do Bangladesh. Mais de 150.000 mil pessoas foram mortas em actos de retaliação após a retirada do Paquistão.
Sumário: 1.400.000 a 2.000.000 mortos

Indonésia: O maior Estado muçulmano do mundo compete com o Bangladesh e o Ruanda para o questionável título de “maior genocídio desde o Holocausto”. O massacre teve início com a revolta comunista de 1965. Há diferentes estimativas em relação ao número de fatalidades também neste caso. As mais aceites apontam para 400.000 indonésios mortos entre 1965 e 1966, apesar de estimativas mais rígidas falarem em números muito mais elevados.
Os massacres foram perpetrados pelo exército, liderado por Hag’i Mohammed Soharto, que subiu ao poder e controlaria o país durante os 32 anos seguintes. Um investigador escreveu que a pessoa encarregue de reprimir a rebelião, o general Srv Adei, admitiu: “Matámos 2 milhões, não um milhão, e fizemos um bom trabalho.” Mas para esta discussão vamos cingir-nos às estimativas mais baixas.
Em 1975, depois do fim do domínio português, Timor Leste declarou a independência. Pouco tempo depois, Timor foi invadido pela Indonésia, que dominou o território com mão de ferro até 1999. Durante este período, entre 100.000 a 200.000 pessoas foram mortas.
Sumário: 400.000 mortos, mais de 100.000 a 200.000 em Timor Leste.

Iraque: A esmagadora maioria da destruição ocorrida nas últimas duas décadas foi obra de Saddam Hussein. Este é outro exemplo de um regime que matou milhões de pessoas. Um dos seus pontos altos foi durante a guerra Irão-Iraque, no conflito sobre o Shat El Arab, o rio criado pela convergência do Tigre e do Eufrates.
Este foi um conflito que não levou a mais nada que não destruição em larga escala e mortes em massa. As estimativas apontam entre 450.000 e 650.000 mortos do lado iraquiano, e entre 450.000 a 950.000 mortos iranianos. Judeus, israelitas e sionistas não estavam por perto, tanto quanto sei.
Vagas de purgas, algumas motivadas politicamente (contra a oposição), outras étnicas (contra a minoria curda) e algumas motivadas pela religião (a minoria sunita no poder contra a maioria xiita), provocaram um número impressionante de vítimas. Estimativas variam entre um milhão, segundo fontes locais, e 250.000, segundo a Human Rights Watch. Outras organizações internacionais apontam para 500.000 mortos.
Em 1991 e 1992 houve uma rebelião xiita no Iraque. Há, também aqui, estimativas contraditórias quanto ao número de vítimas, variando entre 40.000 e 200.000. Aos iraquianos mortos devem juntar-se também os curdos. Durante o consulado de Saddam Hussein, entre 200.000 a 300.000 curdos foram mortos num genocídio que prosseguiu nos anos 80 e 90.
Com as sanções impostas ao Iraque no seguimento da Guerra do Golfo, mais de meio milhão de iraquianos morreram de doenças resultantes da falta de medicamentos. Hoje é claro que esta foi uma continuação do genocídio perpetrado por Saddam contra o seu próprio povo. Ele podia ter suprido as necessidades de medicamentos, mas Saddam Hussein preferiu construir palácios e comprar influências no Ocidente e no mundo árabe. Tudo isto tem vindo a público na sequência das investigações à corrupção no programa “Oil for Food” da ONU.
Os iraquianos continuam a sofrer. A guerra civil devasta hoje o país – ainda que alguns recusem dar este nome ao massacre mútuo de sunitas e xiitas –, custando dezenas de milhares de vidas. Estima-se que cerca de 100.000 pessoas tenham morrido desde a invasão do Iraque.
Sumário Iraque: entre 1.540.000 a 2.000.000 de mortos
Sumário Irão: entre 450.000 a 970.000

Líbano: A guerra civil libanesa aconteceu entre 1975 e 1990. Israel esteve envolvida em algumas das suas fases, naquela que é agora conhecida como a primeira Guerra do Líbano, em 1982. Os especialistas concordam que a grande maioria das vítimas foram mortas durante os primeiros dois anos da guerra civil (1975/1976).
As estimativas geralmente aceites apontam para cerca de 130.000 mortos. Libaneses matando outros libaneses por razões étnicas e religiosas, e em ligação com o envolvimento da Síria. Damasco transferiu apoios entre as várias facções beligerantes. As mais elevadas projecções defendem que Israel foi responsável pela morte de 18.000 pessoas, a vasta maioria das quais combatentes.
Sumário: 130.000 mortos

Yémen: Na guerra civil yemanita, entre 1962 e 1970, com envolvimento do Egipto e da Arábia Saudita, entre 100.000 a 150.000 foram mortos. O Egipto cometeu crimes de guerra ao utilizar armas químicas no conflito. Motins no país entre 1984 e 1986 provocaram a morte a outros milhares de pessoas.
Sumário: entre 100.000 a 150.000 mortos.

Chechnya: A rejeição russa das pretensões independentistas da República Chechena, conduziram à primeira Guerra da Chechnya, entre 1994 e 1996. Nesta guerra perderam a vida entre 50 mil a 200 mil chechenos.
A Rússia investiu bastante neste conflito, mas falhou miseravelmente. Isto não ajudou os chechenos – alcançaram a autonomia, mas a república estava completamente em ruínas.
A segunda Guerra da Chechnya começa em 1999 e acaba oficialmente em 2001, apesar de na realidade não ter ainda terminado, gerando entre 30 mil a 100 mil vítimas mortais.
Sumário: entre 80.000 a 300.000 mortos.

Da Jordânia ao Zanzibar: A juntar a todas estas guerras e massacres houve ainda confrontos de menor dimensão que custaram a vida a dezenas de milhares de pessoas – árabes e muçulmanos mortos por árabes e muçulmanos. Estes conflitos não entram nas tabelas destas páginas porque o número de vítimas é pequeno, em termos relativos, ainda que seja significativamente mais elevado que o número de vítimas do conflito Israelo-Árabe. Aqui ficam alguns deles:

Jordânia: Em 1970 e 1971 ocorrem no reino Hashemita da Jordânia os confrontos que ficariam conhecidos como Setembro Negro. O confronto foi desencadeado pelo rei Hussein, farto da forma como os palestinianos usavam o país e ameaçavam tomar o poder pela força das armas. Nos confrontos, essencialmente massacres em campos de refugiados, milhares de pessoas perderam a vida. Segundo os próprios palestinianos morreram entre 10.000 a 25.000.

Chade: Metade da população do Chade é muçulmana; mais de 30.000 civis perderam a vida em várias guerras.

Kosovo: Nesta região maioritariamente muçulmana da Jugoslávia cerca de 10.000 pessoas foram mortas entre 1998 e 2000.

Tadjiquistão: A guerra civil, ocorrida entre 1992 e 1996, deixou sem vida cerca de 50.000 pessoas.

Síria: A perseguição sistemática da Irmandade Muçulmana pelo regime de Hafez Assad terminou com o massacre da cidade de Hama, em 1982, custando a vida a 20.000 pessoas.

Irão: Milhares de pessoas foram mortas no início da Revolução do Ayatollah Ruhollah Khomeini. O número exacto é desconhecido, mas situa-se entre os milhares e as dezenas de milhar. Os curdos sofreram também a sua quota parte de morticínio às mãos do regime saído da revolução de 1979, com mais de 10.000 pessoas chacinadas.

Turquia: Cerca de 20.000 curdos foram mortos na Turquia na sequência de um conflito que ainda hoje se mantém.

Zanzibar: No início da década de 1960 a ilha ganhou independência da Tanzânia, mas apenas por um curto período. Inicialmente, os árabes tomaram o poder, mas um grupo de muçulmanos negros massacrou os árabes em 1964. As estimativas apontam entre 5.000 a 17.000 mortos em resultado deste conflito.

Mesmo assim, esta lista não termina aqui. Houve mais conflitos com um número desconhecido de vítimas nas antigas repúblicas soviéticas onde a população muçulmana era a maioria (como a guerra entre o Azerbaijão e a Arménia por causa de Nagurno Karabach), e um número discutível de muçulmanos mortos em países com populações mistas em África, tal como a Nigéria, a Mauritânia ou o Uganda – nos anos em que Idi Amin dominou o Uganda, na década de 70, cerca de 300.000 pessoas foram chacinadas. Idi Amin era muçulmano mas, em contraste com o Sudão, é difícil afirmar que o enquadramento dos massacres tinha algo a ver com a religião.

O conflito Israelo-Palestiniano

A tudo o que está acima podem juntar-se mais estes dados: a esmagadora maioria dos árabes mortos no quadro do conflito Israelo-Palestiniano foram-no em resultado de guerras instigadas pelos árabes em virtude da sua recusa em reconhecer a decisão da ONU quanto ao estabelecimento do Estado de Israel, e da sua recusa em reconhecer o direito dos judeus à autodeterminação.
O número de israelitas mortos pelos árabes tem sido relativamente menor do que o número de árabes mortos pelos israelitas. Na Guerra da Independência, por exemplo, 6.000 israelitas foram mortos entre uma população total de 600.000. Isto representa um porcento da população. Em comparação, as baixas árabes da guerra contra Israel vieram de sete países, com uma população global de largas dezenas de milhões de pessoas. Israel nunca sonhou, não pensou nem nunca quis destruir nenhum estado árabe. Mas o objectivo declarado dos exércitos atacantes era “aniquilar a entidade judaica.”
Obviamente, nos últimos tempos, as vítimas palestinianas têm recebido uma grande atenção dos media e dos meios académicos. Na verdade, estas compõem uma pequena percentagem da soma total das vítimas. A soma total dos palestinianos mortos por Israel nos territórios ocupados é na ordem dos milhares: 1378 mortos durante a primeira intifada e 3.700 durante a segunda intifada.
Menos, por exemplo, do que o número de vítimas muçulmanas massacradas pelo antigo presidente sírio Hafez Assad em Hama em 1982 (20.000). Menos do que o número de palestinianos massacrados pelo rei Hussein na Jordânia em 1971 (entre 10.000 a 25.000). Menos do que o número de pessoas mortas pelos sérvios num único massacre de muçulmanos bósnios em Srebrenica em 1991 (8.000).
A morte de uma única pessoa é absolutamente lamentável, mas não há libelo fraudulento maior do que chamar “genocídio” aos actos de Israel. Mesmo assim, fazendo uma busca das palavras “Israel” e “genocídio” no Google encontram-se 13.600.000 referências. Experimentem escrever “Sudão” e “genocídio” e terão menos de 9 milhões de resultados. Estes números, se quiserem, são a essência da grande fraude.

A ocupação não é iluminada, mas não é brutal

Outro facto: Desde a Segunda Guerra Mundial, o conflito Israelo-Palestiniano é o conflito nacional com o menor número de vítimas, mas com o maior número de publicações hostis a Israel nos media e nos meios académicos.
Pelo menos meio milhão de argelinos morreram durante a ocupação francesa. Um milhão de afegãos perderam a vida no decurso da ocupação soviética. Milhões de muçulmanos e árabes foram chacinados às mãos de outros muçulmanos e árabes. Mas a única história que o mundo reconhece é a de Mohammed al-Dura (cuja morte é perfeitamente lamentável, mas que ao mesmo tempo é duvidoso que ele tenha sido morto por soldados israelitas).
É possível e perfeitamente aceitável criticar Israel. Mas a excessiva, obsessiva, e por vezes antisemita crítica serve também para cobrir, e em alguns casos mesmo aprovar, o genocídio de milhões de outros.
A ocupação não é iluminada e nunca poderá ser iluminada. Mas se tentarmos criar uma escala de “ocupações brutais”, Israel ficará em último. Isto é um facto. Não é uma opinião.
O que aconteceria aos palestinianos se, em vez de estarem sob ocupação israelita, fossem ocupados pelos iraquianos? Ou pelos sudaneses? Ou mesmo pelos franceses ou pelos russos? É muito provável que tivessem sido vítimas de genocídio, na pior das hipóteses, ou de massacres em massa, purgas e deportações, na melhor das hipóteses.
Mesmo que, e repito, não existam ocupações iluminadas, e se é aceitável e possível, e por vezes absolutamente necessário, criticar Israel, não há nem nunca houve uma ocupação com tão poucas baixas (na verdade há outras questões que não se manifestam no número de baixas, como o problema dos refugiados, que discutirei num capítulo separado).

A moralidade do ecrã de televisão

Então por que razão é a percepção do mundo exactamente o oposto? Porque razão não existe uma ligação entre os factos e os números e a muito demoníaca imagem de Israel no mundo?
Há muitas respostas possíveis. Uma delas é que a moral do Ocidente tornou-se a moralidade das câmaras de televisão. Se um terrorista palestiniano ou do Hezbollah lançar um míssil por entre habitações civis, e Israel retaliar – causando, imagine-se, a morte de duas crianças –, haverá inúmeras manchetes e artigos por todo o mundo clamando que “Israel assassina crianças”. Mas se aldeias inteiras são destruídas no Sudão, ou se cidades inteiras forem arrasadas na Síria, não haverá câmaras de televisão na zona.
E assim, de acordo com a moralidade televisiva, José Saramago e Harold Pinter assinarão uma petição protestando contra o “genocídio” e os “crimes de guerra” perpetrados por Israel. Provavelmente eles não sabem que, com algumas excepções, os actos de Israel contra alvos militares que atingem civis são permitidos de acordo com as Convenções de Genebra (protocolo 1, parágrafo 52.2). E porque estão tão submersos na moralidade das câmaras de televisão, nunca assinarão uma petição em protesto contra o genocídio de muçulmanos perpetrado por muçulmanos. O assassínio pelo assassínio.
A moralidade televisiva é uma tragédia para os próprios árabes e muçulmanos. Israel paga caro por causa dela, mas os árabes e muçulmanos são as suas vítimas reais. E enquanto prosseguir a moralidade do ecrã, os árabes e muçulmanos continuarão a pagar o preço.

Epílogo
Há aqueles que defendem que os estados árabes e muçulmanos são imunes a críticas porque não são democráticos, mas Israel é merecedora de críticas porque tem pretensões democráticas. Argumentos destes revelam um Orientalismo paternalista no seu pior. A suposição encoberta é que os árabes e muçulmanos são as crianças atrasadas mentais do mundo. Eles podem fazê-lo. Isto não é só Orientalismo paternalista. É racismo.
Os árabes e muçulmanos não são crianças e não são atrasados mentais. Muitos árabes e muçulmanos reconhecem este fenómeno e escrevem sobre ele. Eles sabem que só o fim da auto-ilusão e o assumir de responsabilidades pode trazer a mudança. Eles sabem que enquanto o Ocidente os tratar como desiguais e irresponsáveis estará a perpetuar não só uma atitude racista, mas também a continuação das chacinas em massa.
O genocídio que Israel não está a cometer, aquele que é um libelo fraudulento, esconde o verdadeiro genocídio, o genocídio silenciado que árabes e muçulmanos estão a cometer contra si próprios. A fraude tem de acabar para que se possa olhar a realidade. Para o bem dos árabes e muçulmanos. Israel paga em imagem. Eles pagam em sangue. Se restar no mundo alguma moralidade, isto deveria ser do interesse de quem ainda tem dela alguma gota. A acontecer, seria uma pequena notícia para Israel, mas um imensa boa nova para os árabes e muçulmanos.

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